Imagem: The Poet, 1938, de Thomas Hart Benton (Fonte: http://pinterest.com/tmaxey01/fine-art-thomas-hart-benton/)
Escrevo uma poesia
Que de mim nada me diz
Não me autoanalisa
Nem descreve algo que
aflige o mundo
Escrevo uma poesia muda
Que sendo muda
Em sua mudez não estimula
a mudança
Que desnuda
Em sua nudez se apresenta
sacrossanta
Escrevo uma poesia natural
Selvagem como uma onça
amazonense
Arredio como os rios e
afluentes
Sem barreira hidrelétrica
que os controle
Escrevo uma poesia fresca
Como as manhãs de uma
praia sul-baiana
Como o pão, o peixe ou o
café
Fresca como a vida, como a
morte repentina
Fresca, fresca, fresca!
Escrevo uma poesia moça
Que encanta com seus
olhos, seu brincar
Que me ofende, que me
bate, que me lambe
Que me ama ostentando o
contrário
E o contrário do contrário
eu enxergo
Escrevo uma poesia arisca
Que me foge sempre que me
vê chegar
Que me explode, me acode,
me retalha
Isso tudo sem exprimir
sequer um som
Escrevo uma poesia quieta
Que não exprime emoção e
nem sorrir
Escrevo uma poesia
Escrevo uma poesia morena
Que me explode num encanto
tropical
Que me encontra em
carnavais desse seu mundo
Que me pula, me estimula,
me escapole
Escrevo uma poesia
E choro
Escrevo uma poesia
E rio
Escrevo uma poesia assim
Ou a poesia é que me escreve a mim?