24 de novembro de 2010

O Silêncio


O silêncio, este meu companheiro
Nunca me deixa só...
Carrega em si todas as coisas que queriam saber de mim
E até as que não queriam, mas quereriam se tivessem pista
Fidedigno: não as conta a ninguém...

Maio de 2010

16 de novembro de 2010

Inexplicação




Já não compreendo
O que me dizem todas as pessoas inexistentes
Que me cercam nessa vida

A vida é cheia de coisas inexplicáveis
Quanto mais as do coração!

Meu coração
Não é meu
Não é teu
É da vida
E a compreensão deste órgão
Que insiste em pulsar em tua função
É coisa que me escapa à clareza
Tu sabes

Não sei de coisas que não sejam complicadas
Ou sei delas e não as conheço
E no oceano das coisas complicadas e desconhecidas me afogo

Quem me dera
Quem me dera
Um coração que me salvasse
Me devolvesse o ar
Acabado nestas águas

Me ensina a mergulhar
Neste mar de coisas loucas
Sem ter que me afogar
Sem engolir dessa água salgada
De mar impuro

Me ensina, me ensina
Me ensina a velejar
E achar o jeito certo
De fazer a coisa errada

Me ensina me ensina
Me livrar da agonia
Me ensina a desaprender
Toda essa hegemonia
Me ensina a ser eu
Como você é você

Agosto de 2009

11 de novembro de 2010

Um tiquinho de Márquez





“A casa renascia de suas cinzas e eu navegava no amor de Delgadina com uma intensidade e uma felicidade que jamais conheci em minha vida anterior. Graças a ela enfrentei pela primeira vez meu ser natural enquanto transcorriam meus noventa anos. Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco. Virei outro. Tratei de reler os clássicos que me mandaram ler na adolescência, e não aguentei. Mergulhei nas letras românticas que tanto repudiei quando minha mãe quis -me forçar a ler e gostar, e através delas tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados. Quando meus gostos musicais entraram em crise me descobri atrasado e velho, e abri meu coração às delícias do acaso. Me pergunto como pude sucumbir nesta vertigem perpétua que eu mesmo provocava e temia. Flutuava entre nuvens erráticas e falava sozinho diante do espelho com a vã ilusão de averiguar quem sou. Era tal meu desvario, que em uma manifestação estudantil com pedras e garrafas tive que buscar forças na fraqueza para não me colocar na frente de todos com um letreiro que consagrasse minha verdade: Estou louco de amor.”

Gabriel Garcia Márquez – Memória de minhas putas tristes. Record, 2009.