26 de novembro de 2011

Souvenir




Parecia ser possível ver nós dois ali dentro, de mãos dadas e sentados num banquinho sob a varanda, vendo a chuva cair lentamente, poeticamente...

Em verdade o efeito do globo d’água que há anos eu guardava na estante fazia parecer que nevava, embora neve fosse algo muito raro, talvez até inexistente naquele lugar. Mas a réplica era perfeita da pracinha onde ficava o hotel em que passamos aquelas férias. E, creio que por isso mesmo, as lembranças que aquele pequeno objeto trazia em mim eram impressionantemente fieis.

Você tocava o meu rosto e dizia que aqueles dias de férias eram os melhores da sua vida. Eu, machão, não dizia nada, apenas sorria. E você se contentava com esse sorriso, interpretava-o, traduzia-o nas mais sinceras juras de amor que lhe poderiam ser dadas. E interpretava bem, porque era exatamente o que se passava pela minha cabeça: você era minha, naquelas férias e em todos os dias da minha vida. E ninguém iria te tirar de mim. Você estava em mim, eu em você; e nenhuma intervenção cirúrgica nos separaria. Era o que o meu sorriso tirava do meu silêncio para submeter à sua tradução.

Uma pena estar errado. Uma pena as coisas não correrem da forma como planejamos. Uma pena viver sob a pena de sentir só pena. Teríamos dado certo, tenho certeza. E por que não demos?

Olho pra esse souvenir, única coisa que me restou daquelas férias, e fico pensando nessas coisas... E se a gente realmente cumprisse o que nos prometemos antes de cada um entrar no seu portão de embarque? E se tornássemos a nos ver espontaneamente, descontroladamente, sem precisar de férias e hotel para isso?

Relaxamos conosco, esquecemo-nos, embora lembremo-nos de nós todos os dias. Fizemos vista grossa aos apelos do coração e não quisemos saber da gente, mesmo sabendo que sabemos muito de nós. Nas raras vezes que nos comunicamos à distância depois daquelas férias, não nos compreendemos, e tivemos a impressão de sermos outros.

Sabemos que não sabemos explicar o porquê desse nosso afastamento. Não é simplesmente a geografia, você sabe. O afastamento geográfico até então não interferia. Mas de repente, a gente meio que se apagou, e mesmo sendo um do outro, perdemo-nos de nós.

Agora fico eu aqui, sentado na sala de estar, tentando desvendar mistérios que nem a NASA saberia explicar...

O fato é que este é o único lugar em que me posso abrigar nestas ocasiões. Porque é como se, naquela lembrancinha esférica, cristalina e cheia de água ali da estante, eu pudesse enxergar-nos sem nenhum problema, sem nenhuma dúvida, sem nenhum impedimento. Eternos. Como foram eternas aquelas férias de inverno. Pena que a nossa eternidade durou tão pouco...

Fernando Lago – Novembro de 2011

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