Parecia ser possível
ver nós dois ali dentro, de mãos dadas e sentados num banquinho sob a varanda,
vendo a chuva cair lentamente, poeticamente...
Em verdade o efeito do
globo d’água que há anos eu guardava na estante fazia parecer que nevava, embora
neve fosse algo muito raro, talvez até inexistente naquele lugar. Mas a réplica
era perfeita da pracinha onde ficava o hotel em que passamos aquelas férias. E,
creio que por isso mesmo, as lembranças que aquele pequeno objeto trazia em mim
eram impressionantemente fieis.
Você tocava o meu rosto
e dizia que aqueles dias de férias eram os melhores da sua vida. Eu, machão,
não dizia nada, apenas sorria. E você se contentava com esse sorriso,
interpretava-o, traduzia-o nas mais sinceras juras de amor que lhe poderiam ser
dadas. E interpretava bem, porque era exatamente o que se passava pela minha
cabeça: você era minha, naquelas férias e em todos os dias da minha vida. E
ninguém iria te tirar de mim. Você estava em mim, eu em você; e nenhuma
intervenção cirúrgica nos separaria. Era o que o meu sorriso tirava do meu
silêncio para submeter à sua tradução.
Uma pena estar errado.
Uma pena as coisas não correrem da forma como planejamos. Uma pena viver sob a
pena de sentir só pena. Teríamos dado certo, tenho certeza. E por que não
demos?
Olho pra esse souvenir,
única coisa que me restou daquelas férias, e fico pensando nessas coisas... E
se a gente realmente cumprisse o que nos prometemos antes de cada um entrar no
seu portão de embarque? E se tornássemos a nos ver espontaneamente,
descontroladamente, sem precisar de férias e hotel para isso?
Relaxamos conosco,
esquecemo-nos, embora lembremo-nos de nós todos os dias. Fizemos vista grossa
aos apelos do coração e não quisemos saber da gente, mesmo sabendo que sabemos
muito de nós. Nas raras vezes que nos comunicamos à distância depois daquelas
férias, não nos compreendemos, e tivemos a impressão de sermos outros.
Sabemos que não sabemos
explicar o porquê desse nosso afastamento. Não é simplesmente a geografia, você
sabe. O afastamento geográfico até então não interferia. Mas de repente, a
gente meio que se apagou, e mesmo sendo um do outro, perdemo-nos de nós.
Agora fico eu aqui,
sentado na sala de estar, tentando desvendar mistérios que nem a NASA saberia
explicar...
O fato é que este é o
único lugar em que me posso abrigar nestas ocasiões. Porque é como se, naquela
lembrancinha esférica, cristalina e cheia de água ali da estante, eu pudesse
enxergar-nos sem nenhum problema, sem nenhuma dúvida, sem nenhum impedimento.
Eternos. Como foram eternas aquelas férias de inverno. Pena que a nossa
eternidade durou tão pouco...
Fernando Lago – Novembro de 2011