Sempre fomos vulcão,
desde o primeiro momento que resolvemos mudar o nosso status de relacionamento
perante a indiferente sociedade que nos cerca. Nunca fui modesto, Júlia, você
sabe. Por isso me sinto inteiramente à vontade para dizer que a maior parte de
nossas brigas começou por culpa de seus ciúmes. Como no caso da carta da Kênia,
por exemplo: minha amiga de infância, Júlia! E você ralhou comigo porque ela me
tratava por “meu primeiro namoradinho”... Entrou em erupção emocional, eu
também; e saímos queimando tudo o que vinha pela frente. Éramos assim,
destrutivos, devastadores em nossas brigas quase sempre torpes.
Mas no dia em que você
me deixou falando sozinho e saiu correndo para chorar em um canto, sei que foi
o saldo de todas as coisas pelas quais te fiz passar... Só agora, aqui isolado
com as persianas abertas e vendo o céu sem lua, reconheço o quão tonto fui
durante cada minuto em que estivemos juntos.
Naquele mesmo dia
procurei sua irmã. Confesso isso sem pudor, porque você já conhece a história,
com certeza. Apenas não a tinha ouvido de mim. Provavelmente nem vai ouvir. O
máximo que te ofereço são estas letras, que ainda vacilo te entregar.
Mas procurei a sua
irmã. Procurei e descobri por sua própria boca que ela ia casar. Doeu. Só que a
dor que eu senti naquele dia não foi essa dor que chamam de amor. Foi de ego
mortalmente ferido. Ela tinha me dito coisas tão bonitas, tão realizáveis.
Tantas promessas! Entregou-se tão doce e despejada, como se não existisse
Hélio, como se não existisse você... Me desculpe, mas é esta a verdade: ela foi
tão minha naquele dia que cheguei a pensar que poderia ser pra sempre...
Ego! Só aí entendi que
a minha atração por Taty sempre foi uma busca de satisfação para o meu Ego. Não
me estranhe, sabemos que nunca estudei psicologia e que essas informações são
extremamente perigosas, mas não vejo outra forma de dizer isso.
Totalmente diferente,
foi o que senti há alguns dias atrás, quando eu passava pela Rua Seis e ouvi
uma doce voz cantando: “como vai você eu preciso saber da sua vida...” e
resolvi parar para ouvir um pouco.
Vergonha! Tantos anos
juntos e eu nunca tinha te visto cantar, salvo alguns murmúrios que cessavam
logo quando se percebiam observados.
Sim. Naquele bar, era a
sua voz. E o seu rosto bonito, e o seu corpo esbelto e os cabelos levemente
amorenados, que te diferenciavam da Taty... Era você. Toda você! E aquele
vestido preto com detalhes prateados fui eu que te dei... Eu.
“Essa mulher é
minha...” Murmurei, num canto escuso do bar. E esperei pacientemente até que
você terminasse de distribuir seus encantos, que os casais apaixonados ou em
crise ou os amigos de breja sequer percebiam. Trabalho ingrato!
Fui eu que puxei as
palmas naquele dia. Num ambiente como aquele, não sei se você já tinha sido aplaudida
antes. Mas foram palmas sinceras, não as puxei porque era você. Senti-me
realmente tocado e inspirado a puxá-las, encantado como nunca tinha ficado
antes, por uma pessoa que há pouco tempo estava ao meu lado. Minha! Sim, era
minha! Aquela cantora elegante era minha!
No momento em que você
ia descendo do palco improvisado eu ia me preparando para levantar da mesinha
no canto escondido do bar. E tinha tanta certeza que você era minha que já fui
com o beijo aprontado nos lábios e o discurso ensaiado para dizer: “Me perdoa,
eu sou muito tonto, muito tonto, muito tonto...”
Mas antes que eu
pudesse me aproximar, percebi suas mãos nas mãos de outro sujeito. Coração
gelado, pernas bambeando, os olhos simulando cisco no olho... Sua mão em outra
mão que não a minha. Percebi que era profecia o que você cantava na música a
pouco, naquele banquinho de bar, e que já tinha se cumprido: eu não fui; e o
tempo afastou nós dois.
11 de Novembro de 2011
Adorei!
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