25 de setembro de 2011

Locomotiva

Imagem: São João Del Rei, MG, no site Olhares 


Estive lembrando coisas passadas
Do tempo em que o tempo passava
Como uma locomotiva
Hoje, veloz trem bala!

Quem dera
 – pobre de mim!
Pudesse exigir do tempo
Todas as coisas de volta

Sorrisos não são engarrafáveis
Nunca vi abraços em conserva
Beijos não cabem em caixas
Por maiores que elas sejam

Pena...
Queria guardar tudo isso no meu armário
Não me importaria que bagunçasse ainda mais o meu quarto
Queria relíquias suas
Relíquias não abstratas
Coisas não materiais

Um retrato a gente toca
Mas é puramente abstrato
Concreto é amor, carinho
A gente não toca, mas sente
Existe mais que a matéria
E não há coisa mais linda pra se guardar da vida

A gente podia refazer a história
Escrever com letra dourada
Comprar folhas novas, em branco
E começar tudo de novo

É sonho
Divagação

Nunca deu pra guardar nada
E sei que nunca daria

Mas há palavras
Palavras sim
- misto de abstração e concretude
Estas estão bem guardadas

Mas palavras são só palavras...

Reli essa poesia toda
E, creio, devo rasgá-la
Nunca vi nada mais piegas que eu...


Janeiro de 2011

12 de setembro de 2011

A Cabana dos meus sonhos


Quando a olhei disse: é ela
Porém ela não concordou
Achou que nossos caminhos
Cruzaram-se por engano
Um mal planejado dos céus
Um lapso do destino

Quem é que sabe?
Eu, que sempre soube apenas de mim
Agora nem isso posso!

Ando por uma avenida expressa
Semáforos não me detêm
Não sei onde vou chegar
Se é que ainda haja lugares para chegar
A cidade me é estranha
O mundo me é estranho
Eu me sou estranho

Lá, na cabana dos meus sonhos
Tinha um quarto reservado
Para escrevermos poesias
Tinha um divã na varanda
Para consultarmos a lua
E criaríamos sonhos
De engorda no quintal

Mas sonho dentro de sonho
Não pode dar coisa que presta
E o mundo girou
- É só o que sabe fazer
Não sei para que lado gira
Não sei a que velocidade
Não sei de nada
Porque me isentei de saber
Saber é descabido
Se não te tenho aqui perto

Na cabana dos meus sonhos
Ainda tem um quarto
Que anda desocupado
Esperando, vazio, por alguém que o habite...

Janeiro de 2011

8 de setembro de 2011

Música, divina música!


(Millôr Fernandes)


Imagem: Orkugifs.com



Tanto duvidaram dele, da teoria daquele jovem gênio musical, que ele resolveu provar pra si mesmo, empiricamente, a teoria de que não existem animais selvagens. Que os animais são tão ou mais sensíveis do que os seres humanos. E que são sensíveis sobretudo ao envolvimento da música, quando esta é competentemente interpretada.

Por isso, uma noite, esgueirou-se sozinho pra dentro do Jardim Zoológico da cidade e, silenciosamente, se aproximou da jaula dos orangotangos. Começou a tocar baixinho, bem suave, a sua magnífica flauta doce, ao mesmo tempo em que abria a porta da jaula. Os macacões quase que não pestanejaram. Se moveram devagarinho, fascinados, apenas pra se aproximar mais do músico e do som.

O músico continuou as volutas de sua fantasia musical enquanto abria a jaula dos leões. Os leões, também hipnotizados, foram saindo, pé ante pé, com o respeito que só têm os grandes aficionados da música. E assim a flauta continuou soando no meio da noite, mágica e sedutora, enquanto o gênio ia abrindo jaula após jaula e os animais o acompanhavam, definitivamente seduzidos, como ele previra.

Uma lua enorme, de prata e ouro, iluminava os jacarés, elefantes, cobras, onças, tudo quanto é animal de Deus ali reunido, envolvidos na sinfonia improvisada no meio das árvores. Até que o músico, sempre tocando, abriu a última jaula do último animal - um tigre.
Que, mal viu a porta aberta, saltou sobre ele, engolindo músico e música - e flauta doce de quebra. Os bichos todos deram um oh! de consternação. A onça, chocada, exprimiu o espanto e a revolta de todos:

- Mas, tigre, era um músico estupendo, uma música sublime! Por que você fez isso?

E o tigre, colocando as patas em concha nas orelhas, perguntou:

- Ahn? O quê, o quê? Fala mais alto, pô!

MORAL: OS ANIMAIS TAMBÉM TÊM DEFICIÊNCIAS HUMANAS.

3 de setembro de 2011

Nuit



Caminhando sob a lua de janeiro
O luar iluminando os edifícios
Suspirou, ai meu Deus como é difícil
Eu sentir-me um homem por inteiro

Tantas metades de mim espalhadas no mundo
Gotas de lágrimas soltas pelos quatro ventos, efeito colateral
Tanta saudade sem fim e esse pranto profundo
Tanta viagem na margem do lago do Lago, tão marginal

Mal
Que mal?
Há mal?
Ou eu mesmo sou o tal?
Nau
Que sal
Nos meus olhos molhados de tanto viajar no seu espaço sideral!

Janeiro de 2011