11 de julho de 2011

Foto Síntese



Manuseio este retrato com um único desejo: queria que os índios estivessem certos.

A única coisa que restou de você aqui em casa foi essa imagem aprisionada nesse pedaço de papel, com uma inscrição feita a caneta dourada, daquelas tintas que nunca se apagam: “eu te amo, e é pra sempre.” Preferia que a tinta da caneta sumisse primeiro. Preferia que essa lembrança não ficasse pra sempre impressa em minhas mãos. Preferia, mesmo, que o nosso amor não apagasse. Mas nosso amor não era tão resistente quanto a tinta daquela caneta, quanto esse papel kodak, quanto as tintas da impressora que revelou essa fotografia. Arre! Nosso amor não era mais forte que nada!

Lembro-me do dia que você me apareceu com essa foto. Era anterior a nós. Fora tirada numa dessas viagens que você sempre faz a algum lugar cheio de recursos naturais e que tantas vezes tentou me arrastar – em pouquíssimas conseguiu. Era tão engraçado! Você tentando me convencer que era preciso salvar o planeta. E eu pensava que a salvação do meu planeta estava naqueles dois globos de luz que brilhavam no seu olhar diante de mim. Pura física: eu girava ao seu redor, satélite natural. Você se irritava comigo de um jeito muito doce. Sempre achei que isso não era empecilho. Talvez minha ignorância com a causa ambiental fosse justamente o que mais te atraía. Você beijava minha ignorância, cheirava minha ignorância, fazia amor com ela. Estava sempre falando pra eu parar com os jogos eletrônicos, abandonar os meus dois celulares, mudar meus hábitos... Eu te chamava de louca. Eu te achava louca. E talvez sua loucura fosse justamente o que mais me atraía. Eu beijava sua loucura, cheirava sua loucura, fazia amor com ela.

Foi bem assim que você apareceu na minha vida. Eu já sabia que você era assim. Você também sabia que eu era assim. E nos desafiamos a querermo-nos. A foto, você disse, era um símbolo do nosso amor. Lembrança. E agora ela realmente é só isso: lembrança. Você, ágil como sempre é, empunhou a caneta que em segundos passou da bolsa para a mão e escreveu a frase na foto, eu acompanhando letra por letra. E  U  T  E  A  M  O...  

Quando você veio buscar suas coisas, eu me lembrei de escondê-la. Falei que a tinha perdido, que não sabia mais onde a tinha colocado, que talvez até tivesse ido pro lixo. Você se sentiu ofendida com o meu descaso, eu percebi, embora você tenha tentado ocultar tudo dizendo: “Ô amor, hein!”, com aquele seu sarcasmo que eu odiava amando...

Foi você que me disse uma vez, num dos seus acessos pernósticos de intelectualidade, que em algumas expedições a tribos indígenas os índios tinham medo de ser fotografados porque acreditavam que a câmera ia roubar as suas almas. Queria que eles estivessem certos. Teria aqui comigo a sua alma aprisionada... Embora seu corpo me deixe louco, há tantos outros corpos como o seu, esbeltos, bem feitos, cheios de curvas... Maravilhosa Geometria, calculada milimetricamente. Corpos os há aos montes. Mas sei que nunca acharei uma alma igual à sua... Queria roubar sua alma.

Julho de 2011

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