18 de agosto de 2011

Metrô Noturno



 Fulana by Fernando Lago  (Lula Queiroga - Tem Juízo mas não usa)


Como se a fulana me levasse
um braço, um nome, um rim...


Te odiei naquela primavera, você sabe disso. Você sabia previamente que eu iria te odiar. Te odiei com a mesma força com que te amei nos dias anteriores. Até na noite anterior. Até o último minuto daquela fogueira que acendêramos em nossos corpos juntos no hotel plaza, como dois feixes de lenha seca. Um fogo intenso, destruidor, que apagou-se por si mesmo tão logo atingiu seu ápice. Mas eu, você sabia, não me apaguei por inteiro: passei o dia em brasas.

Não sei exatamente por que te odiei, sei que te odiei. Não sei se o que pesou mais foi você ter ido embora, ou se foi o fato de fazê-lo sem me avisar, alegando que queria me poupar. Não sei se fiquei mais com raiva por causa da sua burrice de achar que me pouparia indo embora sem falar nada comigo, deixando apenas uma carta que eu acharia sabe lá deus quando. Não sei se fiquei ferido no orgulho por você achar que eu precisaria ser poupado de alguma coisa. Simplesmente odiei. Mas suspeito que o principal combustível do meu ódio fora a noite no hotel plaza, tão perfeita! Eu fazendo cálculos na cabeça pro futuro, todos incluindo você – e você simplesmente se despedindo, sem que eu sequer soubesse.

Era cerca de oito horas quando o celular tocou. Era a Marília perguntando se eu estava legal. Eu, ainda em brasas, respondi entusiasmado que “tudo ótimo” e ela achou estranho, perguntando se eu bebera ou fumara algo pra esquecer a dor. Mas eu não sabia de que dor que ela falava.

- Então vocês não brigaram?

- Não, estamos bem... ontem mesmo nós... enfim, que história é essa, Marília?

- É que fiquei sabendo que ela tá no rumo de se enfiar num metrô daqui a pouquinho...

Até hoje não sei bem se a Marília fez isso na inocência ou queria mesmo que eu fosse atrás de você. Você deve se lembrar de que ela foi uma das grandes incentivadoras no início disso que chamamos de nosso romance.

Corri feito um louco com minha moto em direção à estação. Furei sinal vermelho, passei em corredores, cortei sei lá quantos carros, quase atropelei uma criança... Cheguei afoito, corri, saltei a roleta sob protestos do guarda. Ainda deu tempo de gritar seu nome e você virou-se surpresa. Queria ter fotografado o seu rosto naquela hora... Lindamente surpreendido, lindamente culpado.

Azar. A porta do metrô abriu-se e, como todo mundo apinhado atrás da linha amarela, você entrou afobada, eu de cá, olhando desolado... Você conseguiu sentar-se ao lado da janela e acenou pra mim, com lágrimas que até hoje não sei se foram verdadeiras, mas que apagaram o último vestígio avermelhado de brasa que restara em mim.

- Não vá... – falei, inaudível, o que se lia no meu rosto.

- A carta, leia a carta que deixei na sua gaveta!

O trem em movimento. E sua mão acenando por detrás do vidro parecia levar um pedaço muito grande de mim...

Agosto de 2011

Um comentário:

  1. Olha, eu já fui atriz e esse texto me deu uma vontade de voltar a atuar só para representar essa mulher. Muito bom! Gosto dessa investigação que as vezes a gente faz sobre sofrer tão brandamente...tão conscentidamente...

    Adorei!

    Beeeijo.

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