6 de outubro de 2011

Palavras ao vento



Jogo esta carta escrita em papel leve, com tinta suave como sua pele, na esperança de que o vento a faça chegar até você.

Não sei bem o que aconteceu da última vez que nos vimos, Lila, não compreendi direito. Ou talvez até tenha entendido, mas uma parte do meu cérebro tenha se recusado a memorizar... Não sei. Não entendo muito bem de biologia, você sabe.

Sei que desde que você se foi sem dizer tchau, adivinhei que você demoraria a voltar. Ou talvez não voltasse mais...

Sei que te cansei com minhas cobranças. Sei que muitas vezes falei coisas terríveis sobre você. Mas, Lila, a cabeça dos homens funciona assim. E você sabe, Lila, por mais diferente que você me queira, eu sou igual. Igual a todos os homens. Insensível, ciumento, possessivo; e essa bolha de ciúmes que fui deixando encher a cada partida sua explodiu naquele dia em que eu insinuei que você devia ficar presa a mim.

É, Lila... Sou um homem. Vê? Quando nos encontramos pela primeira vez eu não passava de um menino. Mas um menino que aprendeu com você a arte de amar. Mas confesso, Lila, que aquela coisa de liberdade que eu disse que tinha aprendido a respeitar foi puro fingimento. Se você fizesse uma prova de verificação perceberia que eu não teria rendimento nenhum. Fingi pra não te perder. Mas a cada partida sua eu ficava com medo de não te ver nunca mais. Você não era um passarinho, Lila. Eu não podia te engaiolar. Mas era esta a vontade que eu tinha cada vez que te via saltar daquele jeito e se misturar ao horizonte, para voltar depois cheia de saudades.

Nunca te contei, mas muitas vezes me peguei imaginando se não haveria por aí outras cidades pequenas, com outros edifícios pequenos, com outros meninos tristes que te encontrariam no fim de outras tardes para que você contasse todas as coisas que me conta, ou mesmo outras coisas. Essa possibilidade me enchia de ódio de você, Lila. Mas passava rápido.

Quando você demorava de chegar esses pensamentos vinham com tanta força que eu dizia para mim mesmo: “hoje vou ser frio com ela, ela não merece minha simpatia o tempo todo.” Mas quando você surgia com esse sorriso que só você tem, prevalecia a vontade de meus pés, que antes de eu pensar qualquer coisa, corriam para eu te abraçar e lhe acariciar esses longos cabelos.

Confesso que ainda vou ao prédio perto da escola, Lila. Pra que que eu ia mentir pra você? Vou lá muitas vezes, tentar reviver nossas palestras particulares que o som dos carros da avenida me fazem lembrar. Duas ou três vezes tive a esperança de que você pousaria ali, sem mais nem menos e me diria: “Quanto tempo, senti saudades!” mas não creio que isso vá acontecer...

O mundo é tão grande, Lila! E você o fez tão pequeno. Do seu tamanho. Agora que você saiu, o espaço não cabe ninguém além de você.

Não faço a mínima ideia de como te encontrar. Você é livre, vai aonde quiser: você pode! Mas despejo todas as minhas esperanças no vento que, se é seu amigo como você diz que é, vai achar um jeito de levar às suas mãos este escrito tão saudoso.

Lila, menina que voa, essa carta não é um apelo para que você venha e more comigo para sempre, sem poder voar pelo mundo, como dei a entender da última vez. Não estou querendo outra vez te prender na minha gaiola, Lila. Só estou confessando e reconhecendo que há muito, muito tempo eu já estou preso na sua.

Seu,
Ricardo


Fernando Lago – Setembro de 2011

Um comentário:

  1. Ameiiiii Nando!!!

    "Sei que desde que você se foi sem dizer tchau, adivinhei que você demoraria a voltar. Ou talvez não voltasse mais..."

    Tomara que volte, e volte a ser exatamente como era antes de ir...

    Beijoooo

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