15 de novembro de 2011

Lounge




Sempre fomos vulcão, desde o primeiro momento que resolvemos mudar o nosso status de relacionamento perante a indiferente sociedade que nos cerca. Nunca fui modesto, Júlia, você sabe. Por isso me sinto inteiramente à vontade para dizer que a maior parte de nossas brigas começou por culpa de seus ciúmes. Como no caso da carta da Kênia, por exemplo: minha amiga de infância, Júlia! E você ralhou comigo porque ela me tratava por “meu primeiro namoradinho”... Entrou em erupção emocional, eu também; e saímos queimando tudo o que vinha pela frente. Éramos assim, destrutivos, devastadores em nossas brigas quase sempre torpes.

Mas no dia em que você me deixou falando sozinho e saiu correndo para chorar em um canto, sei que foi o saldo de todas as coisas pelas quais te fiz passar... Só agora, aqui isolado com as persianas abertas e vendo o céu sem lua, reconheço o quão tonto fui durante cada minuto em que estivemos juntos.

Naquele mesmo dia procurei sua irmã. Confesso isso sem pudor, porque você já conhece a história, com certeza. Apenas não a tinha ouvido de mim. Provavelmente nem vai ouvir. O máximo que te ofereço são estas letras, que ainda vacilo te entregar.

Mas procurei a sua irmã. Procurei e descobri por sua própria boca que ela ia casar. Doeu. Só que a dor que eu senti naquele dia não foi essa dor que chamam de amor. Foi de ego mortalmente ferido. Ela tinha me dito coisas tão bonitas, tão realizáveis. Tantas promessas! Entregou-se tão doce e despejada, como se não existisse Hélio, como se não existisse você... Me desculpe, mas é esta a verdade: ela foi tão minha naquele dia que cheguei a pensar que poderia ser pra sempre...

Ego! Só aí entendi que a minha atração por Taty sempre foi uma busca de satisfação para o meu Ego. Não me estranhe, sabemos que nunca estudei psicologia e que essas informações são extremamente perigosas, mas não vejo outra forma de dizer isso.

Totalmente diferente, foi o que senti há alguns dias atrás, quando eu passava pela Rua Seis e ouvi uma doce voz cantando: “como vai você eu preciso saber da sua vida...” e resolvi parar para ouvir um pouco.
Vergonha! Tantos anos juntos e eu nunca tinha te visto cantar, salvo alguns murmúrios que cessavam logo quando se percebiam observados.

Sim. Naquele bar, era a sua voz. E o seu rosto bonito, e o seu corpo esbelto e os cabelos levemente amorenados, que te diferenciavam da Taty... Era você. Toda você! E aquele vestido preto com detalhes prateados fui eu que te dei... Eu.

“Essa mulher é minha...” Murmurei, num canto escuso do bar. E esperei pacientemente até que você terminasse de distribuir seus encantos, que os casais apaixonados ou em crise ou os amigos de breja sequer percebiam. Trabalho ingrato!

Fui eu que puxei as palmas naquele dia. Num ambiente como aquele, não sei se você já tinha sido aplaudida antes. Mas foram palmas sinceras, não as puxei porque era você. Senti-me realmente tocado e inspirado a puxá-las, encantado como nunca tinha ficado antes, por uma pessoa que há pouco tempo estava ao meu lado. Minha! Sim, era minha! Aquela cantora elegante era minha!

No momento em que você ia descendo do palco improvisado eu ia me preparando para levantar da mesinha no canto escondido do bar. E tinha tanta certeza que você era minha que já fui com o beijo aprontado nos lábios e o discurso ensaiado para dizer: “Me perdoa, eu sou muito tonto, muito tonto, muito tonto...”

Mas antes que eu pudesse me aproximar, percebi suas mãos nas mãos de outro sujeito. Coração gelado, pernas bambeando, os olhos simulando cisco no olho... Sua mão em outra mão que não a minha. Percebi que era profecia o que você cantava na música a pouco, naquele banquinho de bar, e que já tinha se cumprido: eu não fui; e o tempo afastou nós dois.

11 de Novembro de 2011

Um comentário:

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