25 de agosto de 2011

Porquês



Lembra de mim?
Sou essa criança que brinca ali
Naquela foto empoeirada
Que ninguém mais olha

Olha,
Que engraçado!
Temos o mesmo sorriso desengonçado
Quando brincamos de imaginar

Você cresceu
Pensando que eu morreria
Que seu intelecto me apagaria
Que eu nunca mais ia aparecer

Engano seu
Eu só tenho um sono bem pesado
E quando você está todo ensimesmado
Sou eu, naquela idade dos porquês.

Julho de 2011

18 de agosto de 2011

Metrô Noturno



 Fulana by Fernando Lago  (Lula Queiroga - Tem Juízo mas não usa)


Como se a fulana me levasse
um braço, um nome, um rim...


Te odiei naquela primavera, você sabe disso. Você sabia previamente que eu iria te odiar. Te odiei com a mesma força com que te amei nos dias anteriores. Até na noite anterior. Até o último minuto daquela fogueira que acendêramos em nossos corpos juntos no hotel plaza, como dois feixes de lenha seca. Um fogo intenso, destruidor, que apagou-se por si mesmo tão logo atingiu seu ápice. Mas eu, você sabia, não me apaguei por inteiro: passei o dia em brasas.

Não sei exatamente por que te odiei, sei que te odiei. Não sei se o que pesou mais foi você ter ido embora, ou se foi o fato de fazê-lo sem me avisar, alegando que queria me poupar. Não sei se fiquei mais com raiva por causa da sua burrice de achar que me pouparia indo embora sem falar nada comigo, deixando apenas uma carta que eu acharia sabe lá deus quando. Não sei se fiquei ferido no orgulho por você achar que eu precisaria ser poupado de alguma coisa. Simplesmente odiei. Mas suspeito que o principal combustível do meu ódio fora a noite no hotel plaza, tão perfeita! Eu fazendo cálculos na cabeça pro futuro, todos incluindo você – e você simplesmente se despedindo, sem que eu sequer soubesse.

Era cerca de oito horas quando o celular tocou. Era a Marília perguntando se eu estava legal. Eu, ainda em brasas, respondi entusiasmado que “tudo ótimo” e ela achou estranho, perguntando se eu bebera ou fumara algo pra esquecer a dor. Mas eu não sabia de que dor que ela falava.

- Então vocês não brigaram?

- Não, estamos bem... ontem mesmo nós... enfim, que história é essa, Marília?

- É que fiquei sabendo que ela tá no rumo de se enfiar num metrô daqui a pouquinho...

Até hoje não sei bem se a Marília fez isso na inocência ou queria mesmo que eu fosse atrás de você. Você deve se lembrar de que ela foi uma das grandes incentivadoras no início disso que chamamos de nosso romance.

Corri feito um louco com minha moto em direção à estação. Furei sinal vermelho, passei em corredores, cortei sei lá quantos carros, quase atropelei uma criança... Cheguei afoito, corri, saltei a roleta sob protestos do guarda. Ainda deu tempo de gritar seu nome e você virou-se surpresa. Queria ter fotografado o seu rosto naquela hora... Lindamente surpreendido, lindamente culpado.

Azar. A porta do metrô abriu-se e, como todo mundo apinhado atrás da linha amarela, você entrou afobada, eu de cá, olhando desolado... Você conseguiu sentar-se ao lado da janela e acenou pra mim, com lágrimas que até hoje não sei se foram verdadeiras, mas que apagaram o último vestígio avermelhado de brasa que restara em mim.

- Não vá... – falei, inaudível, o que se lia no meu rosto.

- A carta, leia a carta que deixei na sua gaveta!

O trem em movimento. E sua mão acenando por detrás do vidro parecia levar um pedaço muito grande de mim...

Agosto de 2011

12 de agosto de 2011

Amparo



Saúdo a todo poeta
Que tem uma paixão secreta
E aprende a versificar
Só para anunciar
De uma maneira discreta
Sem o tudo revelar

Eu também já fiz poesia
Cheia de melancolia
Lembrando, pra esquecer
De amores que deixei nascer
Vendo grande estripulia
No meu coração crescer

Por outro lado, já fiz
Poema muito feliz
Pensando que era amado
Me julgando agraciado
Por ter criado raiz
No amor bem aventurado

Mas ah, como isso é raro!
Pois em geral me amparo
Na ponta da minha caneta
Como manco em muleta
Como o cachorro no faro
Como astrônomo na luneta

Ó, Senhor, como pena!
O poeta que encena
Essa peça, esse drama
Que lhe põe o peito em chama
Que nunca se amena
Quando o coração ama


05 de Agosto de 2011

4 de agosto de 2011

Démence



Tenho muitos amores
Milhares de paixões tenho
Lutando entre si
Nesta luta do contrário
(negação da negação)
Não há um só vencedor
Só eu saio perdedor

Caminho nesta avenida
Carros atropelando gentes
Gentes atropelando subgentes
E alheios a tudo andam
Longe
Aqueles que deviam ver

Quem me dera
Minha lua
Madrinha desta rua
Pudesse eu ser normal
Com inquietações normais
Com normal inteligência
Mas não posso

A normalidade em mim é a loucura
A vida em mim é lúgubre
E anda cantarolando óperas nos ouvidos das moças tristes
Para fazê-las rir da minha cara

Não vejo a menor graça!
Ou meu espelho está quebrado?

Espelho, espelho meu!
Existirá nesse mundo
Homem besta como eu?

É besta mesmo!
Ao espelho não se pergunta o óbvio
À caneta se pergunta tudo
Se quiser ouvir sinceridade
É arrogante, mas franca

- Pena moderna minha
Responde-me com clareza
Amar-me-á alguém?
- Fernando, isso não sei! Sou caneta e não oráculo!
Use essa sua cabeça de pesquisador de araque
Pra saber desse pormenor

É mesmo desaforada!
Deixo-a de lado
Melhor deixar tudo mais
Respirar fundo, cochilar
Esperar que a vida passe
Dia após dia
Noite após noite
Que se vá a inquietação
Quero ao menos hoje descansar!

 Outubro de 2009