17 de abril de 2012

Pegou a avenida e se foi... (Primeira parte)




Passou por mim, virou a esquina e nem percebeu quem eu era. Estava linda, ainda mais do que antes. Mudara bastante, tinha mais corpo, as curvas eram mais adultas e o rosto de menina agora transmitia uma forte expressão de dona do mundo. Eu, no entanto, mudei pouco, quase nada além de uns três ou quatro novos fios de cabelo branco que surgiram no alto da minha nuca. Inacreditável que não tenha me reconhecido.

Era adolescente quando nos vimos pela primeira e última vez. Já era bela, mas tinha as pernas finas e os seios mal começavam a arredondar-se. Mas o que me impressionou nela foi a doçura e inteligência com que conversava sobre as coisas diversas que vinham, no um-assunto-puxa-outro que iniciamos naquela calçada. Política, cultura, a situação econômica do país... Ela discorria sobre tudo isso com ligeiríssimos sinais de irritação quando se referia às autoridades competentes de cada área. Chegou a cuspir no chão quando pronunciou o nome do Ministro da Educação. Mas não demorava a voltar à doçura de sempre, apresentando uma solução utópica para o problema, mas admirável para uma adolescente que tinha acabado de sair do ensino fundamental.

Os fervorosos militantes da moralidade moderna me censurarão em pensamento e em palavras, com certeza, mas devo confessar que desejei, naquele instante, casar-me com aquela menininha de quinze anos. Desejei tê-la pra sempre comigo, ouvindo suas histórias e protestos.

Há poucos anos isso não seria um absurdo. Homens de quase trinta casavam-se aos montes com meninas de quinze. Creio que foi esse o pensamento do senhor que vendia pipocas à porta do fórum, quando disse:

- Não vai comprar uma pipoquinha para a sua senhora?

Que me importava a ausência de formas diante daquele sorriso, que ela apresentou tão logo o senhor terminou a frase? Eu que tinha um padrão de beleza tão exigente: curvas, seios, traseiro, agora me rendia totalmente àquele sorriso de menina.

- Não somos casados não, tio – disse ela simpaticíssima ao velho – eu nem tenho idade pra isso!

A fila do fórum andava. Deu vontade de perguntar o que uma garotinha de quinze anos fazia ali, mas achei melhor não saber. Estávamos sentados na calçada enquanto a fila estava parada, agora que ela começava a andar, ficamos automaticamente de pé, sem pensar ou dizer nada, como uma atitude natural dos nossos membros.

- E você não tem namorado? – perguntei

- Eu sou muito nova...

- Muitas meninas de quinze anos namoram. Até mais novas.

- Mas eu não quero.

- Entendo.

- E você?

- Eu o que?

- Namora?

- Não.

- Quando for namorar, não escolhe uma menina muito nova.

- Por quê?

- Porque ela não te entenderia, você é inteligente. Você só ia se decepcionar.

- Mas muitas meninas são inteligentes, olha você, por exemplo.

- O pessoal acha que eu falo demais...

- É, você é tagarelinha mesmo, mas eu adorei você.

- Também gostei de você. Na verdade a maioria dos meus amigos são mais velhos...

- É porque você tem uma inteligência acima da média – ri – você tem um futuro muito promissor, com certeza.

Não gosto de clichês, mas esta foi a única frase que me acudiu naquele momento. Ela riu de novo e eu, mais uma vez, desejei que aquela criaturinha ficasse comigo pra sempre. E é agora que os moralistas hão de me crucificar: desejei tê-la ali mesmo, naquela fila do fórum. Felizmente o abismo entre o desejo e a ação sempre foi suficientemente grande em mim, é o que faz muitos homens serem bons.

- Você é culto – disse ela – isso é raro nessa cidade.

- Não sou culto, apenas reflito algumas coisas.

- É muito bom encontrar alguém pra se ter uma conversa agradável numa fila a essa hora do dia.

- Eu digo o mesmo, espero que possamos nos ver novamente.

- Eu também. Olhe, é a sua vez.

A parte que é, em geral, a mais desejada da fila, naquele instante foi a mais odiada. Naquele momento, eu queria uma fila eterna... 



Fernando Lago - Abril de 2012

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