Imagem: Waiting in the queue
Passou por mim, virou a
esquina e nem percebeu quem eu era. Estava linda, ainda mais do que antes.
Mudara bastante, tinha mais corpo, as curvas eram mais adultas e o rosto de
menina agora transmitia uma forte expressão de dona do mundo. Eu, no entanto,
mudei pouco, quase nada além de uns três ou quatro novos fios de cabelo branco
que surgiram no alto da minha nuca. Inacreditável que não tenha me reconhecido.
Era adolescente quando
nos vimos pela primeira e última vez. Já era bela, mas tinha as pernas finas e
os seios mal começavam a arredondar-se. Mas o que me impressionou nela foi a
doçura e inteligência com que conversava sobre as coisas diversas que vinham,
no um-assunto-puxa-outro que iniciamos naquela calçada. Política, cultura, a
situação econômica do país... Ela discorria sobre tudo isso com ligeiríssimos
sinais de irritação quando se referia às autoridades competentes de cada área.
Chegou a cuspir no chão quando pronunciou o nome do Ministro da Educação. Mas
não demorava a voltar à doçura de sempre, apresentando uma solução utópica para
o problema, mas admirável para uma adolescente que tinha acabado de sair do
ensino fundamental.
Os fervorosos
militantes da moralidade moderna me censurarão em pensamento e em palavras, com
certeza, mas devo confessar que desejei, naquele instante, casar-me com aquela
menininha de quinze anos. Desejei tê-la pra sempre comigo, ouvindo suas
histórias e protestos.
Há poucos anos isso não
seria um absurdo. Homens de quase trinta casavam-se aos montes com meninas de
quinze. Creio que foi esse o pensamento do senhor que vendia pipocas à porta do
fórum, quando disse:
- Não vai comprar uma
pipoquinha para a sua senhora?
Que me importava a
ausência de formas diante daquele sorriso, que ela apresentou tão logo o senhor
terminou a frase? Eu que tinha um padrão de beleza tão exigente: curvas, seios,
traseiro, agora me rendia totalmente àquele sorriso de menina.
- Não somos casados
não, tio – disse ela simpaticíssima ao velho – eu nem tenho idade pra isso!
A fila do fórum andava.
Deu vontade de perguntar o que uma garotinha de quinze anos fazia ali, mas
achei melhor não saber. Estávamos sentados na calçada enquanto a fila estava
parada, agora que ela começava a andar, ficamos automaticamente de pé, sem pensar
ou dizer nada, como uma atitude natural dos nossos membros.
- E você não tem
namorado? – perguntei
- Eu sou muito nova...
- Muitas meninas de
quinze anos namoram. Até mais novas.
- Mas eu não quero.
- Entendo.
- E você?
- Eu o que?
- Namora?
- Não.
- Quando for namorar,
não escolhe uma menina muito nova.
- Por quê?
- Porque ela não te
entenderia, você é inteligente. Você só ia se decepcionar.
- Mas muitas meninas
são inteligentes, olha você, por exemplo.
- O pessoal acha que eu
falo demais...
- É, você é tagarelinha
mesmo, mas eu adorei você.
- Também gostei de
você. Na verdade a maioria dos meus amigos são mais velhos...
- É porque você tem uma
inteligência acima da média – ri – você tem um futuro muito promissor, com
certeza.
Não gosto de clichês,
mas esta foi a única frase que me acudiu naquele momento. Ela riu de novo e eu,
mais uma vez, desejei que aquela criaturinha ficasse comigo pra sempre. E é
agora que os moralistas hão de me crucificar: desejei tê-la ali mesmo, naquela
fila do fórum. Felizmente o abismo entre o desejo e a ação sempre foi
suficientemente grande em mim, é o que faz muitos homens serem bons.
- Você é culto – disse
ela – isso é raro nessa cidade.
- Não sou culto, apenas
reflito algumas coisas.
- É muito bom encontrar
alguém pra se ter uma conversa agradável numa fila a essa hora do dia.
- Eu digo o mesmo,
espero que possamos nos ver novamente.
- Eu também. Olhe, é a
sua vez.
A parte que é, em geral,
a mais desejada da fila, naquele instante foi a mais odiada. Naquele momento,
eu queria uma fila eterna...
Fernando Lago - Abril de 2012
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